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K
Jornal de crítica
N. 23 - primavera 2010

Contiene l'articolo
"A poesia intensa e ética de Alessio Brandolini"
e tre poesie da Il male inconsapevole
tradotte in portoghese da Vera Lúcia de Oliveira


 

A POESIA INTENSA E ÉTICA DE ALESSIO BRANDOLINI
Vera Lúcia de Oliveira

Alessio Brandolini nasceu em 1958, em Frascati, e vive atualmente em Roma, onde se destaca por sua intensa atividade cultural. É um dos melhores poetas italianos da atualidade e tem representado o seu país em numerosos festivais internacionais.
Estreou na poesia em 1991, na revista Galleria, e recebeu neste mesmo ano o prestigioso “Premio Montale”, reservado a livros inéditos. Em 2002, publicou Divisori orientali, (Manni Editor, Lecce), distinguido com o “Premio Alfonso Gatto 2003 – Opera Prima”. Em 2004, saiu o livro Poesia della terra (LietoColle, 2004), com prefácio do crítico Mario Santagostini; e em 2005 foi Il male inconsapevole (Il Ramo d’Oro Editore, Trieste) y, em 2008, o livro Tevere in fiamme (Azimut, Roma).
A sua obra poética lhe tem tem assegurado crescente projeção internacional e vem sendo publicada em várias línguas. É editor e fundador da revista "Fili d’aquilone", além de ser colaborador de vários jornais e revistas italianas e estrangeiras.
Alessio Brandolini tem uma poesia concentrada, com versos de grande vigor, em que às vezes poesia e prosa se misturam. Nela, alternam-se e convivem opostas linhas de força, de modo que são freqüentes as notações precisas e concretas do real ao lado de imagens surreais de grande intensidade, em que o dia-a-dia é transfigurado pela percepção do eu lírico. Tais contradições exprimem, além de um mundo ferido e fragmentado captato pelo autor, a ambigüidade de sentimentos antitéticos que se chocam na alma humana. As metáforas abundantes, concentram y encruzam sensações y emoções que atravesan todos os sentitos.
Se a poesia para Alessio é produto do rigor do poeta-artesão, ela é também revelação e epifania, manifestação do mistério, dom gratuito e gnose. Os poemas parecem ser codificados pela própria matéria incandescente, que forja a sua forma, em versos breves ou longos, em que se espraiam as tensões e a busca constante pelo termo exato, que contenha a vida.
A sua opção por um registro lírico coloquial, despojado de qualquer retórica, filia-o a uma linha de grandes poetas do século XX, como Umberto Saba, Sandro Penna e Giorgio Caproni, que buscaram uma expressão mais simples e cotidiana e se opuseram ao aulicismo imperante na poesia italiana, de matriz petrarquista.
Outro elemento importante é o projeto ético que parece guiar o percurso poético do autor, o olhar que focaliza os seres despojados e marginalizados, numa sociedade superficial e consumista, que parece não ter paciência nem tempo para doentes, mendigos, velhos, exilados de todas as guerras, pobres do sul do mundo que batem à porta da rica Europa, feridos no corpo e na alma:

    Tra le pietre delle case e delle strade ci sono i volti
    dei torturati che lanciano un cenno di saluto.

    Entre as pedras das casas e das ruas estão os rostos
    dos torturados que nos acenam.

O seu último livro, Tevere in fiamme, confirma a qualidade desta poesia, que se faz mais dolente, com imagens que chegam quase a provocar no leitor a sensação fisica da dor que o poeta capta com sua sensibilidad aguçada: “Ripercorrere lento il dolore: starci dentro, sepolto” (Repercorrer lentamente a dor: ficar dentro, sepulto). Não se consegue ler este livro sem se sentir transportado por palavras que não só querem “dizer” algo, o que toda poesia almeja, mas querem ser o que dizem.
Auguramos que Alessio Brandolini possa ser logo “desgoberto” también pelos leitores brasileiros.
Os poemas que seguem são do livro Il male inconsapevole.


POEMAS DE ALESSIO BRANDOLINI
Tradução de Vera Lúcia de Oliveira

*

E se for a árvore de Judas este amor
pendurado num canto apartado da casa.
As mãos perdidas nos cortes
nas cicatrizes dos beijos
nos pés inquietos, aguardando
percorrer o mesmo idêntico percurso.

Os nossos corpos não nos bastavam
nós os tínhamos trocado entre nós
por acaso ou para derrotar a sorte.
Agora a pele cinzela outras palavras
filtra a luz e aguarda distanciada
outros perfumes, ou os jogos da morte.


*

Che sia l’albero di Giuda questo amore
appeso in un angolo appartato della casa.
Dalle mani perse nei tagli
nelle cicatrici dei baci
nei piedi irrequieti, in attesa
di ripercorrere lo stesso identico percorso.

I nostri corpi ci stavano stretti
ce li eravamo scambiati
per caso o per sconfiggere la sorte.
Ora la pelle scolpisce altre parole
filtra la luce e attende con distacco
altri profumi, o i giochi della morte.


NOVEMBRO DOS VIVOS

Executado e contudo anda com passo
de dança: vem de um mundo recluso
na boca tem cascas de pão mofado
na mochila uma caixa de leite
negro mesmo antes de ser bebido.

O vento quente de agosto esgotava
os lábios ensangüentados.
Estava feliz naquele dia por isto
mandou saudações aos amigos, mesmo aos
de longe ou que nunca havia conhecido.

Folhas amarelas das mãos de fogo
não o calor que vem
de baixo, da guerra,
dos lagos de petróleo
do grito sem vulto da dor.

Decapitado mas anda, está vivo
e prossegue ereto rumo ao alvo
depois de anos em que tudo dava errado
transtornado pelos estampidos, crucificado
a cara contra o muro do pecado.


NOVEMBRE DEI VIVI

Giustiziato eppure cammina a passo
di danza: viene da un mondo recluso
in bocca ha croste di pane ammuffito
nello zaino un cartone di latte
nero ancor prima d’essere bevuto.

Il vento caldo d’agosto sfibrava
le labbra insanguinate.
Era felice quel giorno per questo
inviò un saluto agli amici, anche quelli
lontani o che non aveva mai conosciuto.

Foglie gialle dalle mani di fuoco
non il calore che arriva
da sotto, dalla guerra
dai laghi di petrolio
dal grido senza volto del dolore.

Decapitato ma cammina, è vivo
e procede dritto verso il bersaglio
dopo anni dove tutto andava storto
turbato dagli scopi, messo in croce
la faccia contro il muro del peccato.


O QUE NÃO MEREÇO

Dentro de nós estão os postes de luzes
e as placas que o frio polar abateu
estendes tua mão de gancho e a agarro
mal me erguendo na ponta dos pés.

Mais para o alto encontro a areia e a alegre
fila dos rastros das aves: a escritura
insone, vibrante no rubro das rosas
nas veias que estouram na testa
nos sinais do abandono, dos espinhos
e por baixo os cabos gélidos porque uso o mal
como um picão, um bate-estacas
vou fundo na carne (na minha, na nossa)
arrancando fígado, pulmões, coração.

             O que resta dos olhos.


QUELLO CHE NON MERITO

Dentro di noi ci sono i pali delle luci
e i segnali abbattuti dal freddo polare
mi tendi la mano a uncino e io l’afferro
mi sollevo appena sulla punta dei piedi.

Più in alto trovo la sabbia e l’allegra
fila delle orme degli uccelli: la scrittura
insonne, vibrante nel rosso delle rose
nelle vene che scoppiano sulla fronte
nei segni dell’abbandono, delle spine
e sotto i cavi ghiacci perché uso il male
come un piccone, un martello pneumatico
vado a fondo nella carne (la mia, la nostra)
porto via il fegato, i polmoni, il cuore.

             Quello che resta degli occhi.




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