A POESIA INTENSA E ÉTICA DE ALESSIO BRANDOLINI Vera Lúcia de Oliveira
Alessio Brandolini nasceu em 1958, em Frascati, e vive atualmente em Roma, onde se destaca por sua intensa atividade cultural. É um dos melhores poetas italianos da atualidade e tem representado o seu país em numerosos festivais internacionais.
Estreou na poesia em 1991, na revista Galleria, e recebeu neste mesmo ano o prestigioso “Premio Montale”, reservado a livros inéditos. Em 2002, publicou Divisori orientali, (Manni Editor, Lecce), distinguido com o “Premio Alfonso Gatto 2003 – Opera Prima”. Em 2004, saiu o livro Poesia della terra (LietoColle, 2004), com prefácio do crítico Mario Santagostini; e em 2005 foi Il male inconsapevole (Il Ramo d’Oro Editore, Trieste) y, em 2008, o livro Tevere in fiamme (Azimut, Roma).
A sua obra poética lhe tem tem assegurado crescente projeção internacional e vem sendo publicada em várias línguas. É editor e fundador da revista "Fili d’aquilone", além de ser colaborador de vários jornais e revistas italianas e estrangeiras.
Alessio Brandolini tem uma poesia concentrada, com versos de grande vigor, em que às vezes poesia e prosa se misturam. Nela, alternam-se e convivem opostas linhas de força, de modo que são freqüentes as notações precisas e concretas do real ao lado de imagens surreais de grande intensidade, em que o dia-a-dia é transfigurado pela percepção do eu lírico. Tais contradições exprimem, além de um mundo ferido e fragmentado captato pelo autor, a ambigüidade de sentimentos antitéticos que se chocam na alma humana. As metáforas abundantes, concentram y encruzam sensações y emoções que atravesan todos os sentitos.
Se a poesia para Alessio é produto do rigor do poeta-artesão, ela é também revelação e epifania, manifestação do mistério, dom gratuito e gnose. Os poemas parecem ser codificados pela própria matéria incandescente, que forja a sua forma, em versos breves ou longos, em que se espraiam as tensões e a busca constante pelo termo exato, que contenha a vida.
A sua opção por um registro lírico coloquial, despojado de qualquer retórica, filia-o a uma linha de grandes poetas do século XX, como Umberto Saba, Sandro Penna e Giorgio Caproni, que buscaram uma expressão mais simples e cotidiana e se opuseram ao aulicismo imperante na poesia italiana, de matriz petrarquista.
Outro elemento importante é o projeto ético que parece guiar o percurso poético do autor, o olhar que focaliza os seres despojados e marginalizados, numa sociedade superficial e consumista, que parece não ter paciência nem tempo para doentes, mendigos, velhos, exilados de todas as guerras, pobres do sul do mundo que batem à porta da rica Europa, feridos no corpo e na alma:
O seu último livro, Tevere in fiamme, confirma a qualidade desta poesia, que se faz mais dolente, com imagens que chegam quase a provocar no leitor a sensação fisica da dor que o poeta capta com sua sensibilidad aguçada: “Ripercorrere lento il dolore: starci dentro, sepolto” (Repercorrer lentamente a dor: ficar dentro, sepulto). Não se consegue ler este livro sem se sentir transportado por palavras que não só querem “dizer” algo, o que toda poesia almeja, mas querem ser o que dizem.
Auguramos que Alessio Brandolini possa ser logo “desgoberto” también pelos leitores brasileiros.
Os poemas que seguem são do livro Il male inconsapevole.
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E se for a árvore de Judas este amor pendurado num canto apartado da casa. As mãos perdidas nos cortes nas cicatrizes dos beijos nos pés inquietos, aguardando percorrer o mesmo idêntico percurso. Os nossos corpos não nos bastavam nós os tínhamos trocado entre nós por acaso ou para derrotar a sorte. Agora a pele cinzela outras palavras filtra a luz e aguarda distanciada outros perfumes, ou os jogos da morte.
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Che sia l’albero di Giuda questo amore appeso in un angolo appartato della casa. Dalle mani perse nei tagli nelle cicatrici dei baci nei piedi irrequieti, in attesa di ripercorrere lo stesso identico percorso. I nostri corpi ci stavano stretti ce li eravamo scambiati per caso o per sconfiggere la sorte. Ora la pelle scolpisce altre parole filtra la luce e attende con distacco altri profumi, o i giochi della morte.
NOVEMBRO DOS VIVOS
Executado e contudo anda com passo de dança: vem de um mundo recluso na boca tem cascas de pão mofado na mochila uma caixa de leite negro mesmo antes de ser bebido. O vento quente de agosto esgotava os lábios ensangüentados. Estava feliz naquele dia por isto mandou saudações aos amigos, mesmo aos de longe ou que nunca havia conhecido. Folhas amarelas das mãos de fogo não o calor que vem de baixo, da guerra, dos lagos de petróleo do grito sem vulto da dor. Decapitado mas anda, está vivo e prossegue ereto rumo ao alvo depois de anos em que tudo dava errado transtornado pelos estampidos, crucificado a cara contra o muro do pecado.
NOVEMBRE DEI VIVI
Giustiziato eppure cammina a passo di danza: viene da un mondo recluso in bocca ha croste di pane ammuffito nello zaino un cartone di latte nero ancor prima d’essere bevuto. Il vento caldo d’agosto sfibrava le labbra insanguinate. Era felice quel giorno per questo inviò un saluto agli amici, anche quelli lontani o che non aveva mai conosciuto. Foglie gialle dalle mani di fuoco non il calore che arriva da sotto, dalla guerra dai laghi di petrolio dal grido senza volto del dolore. Decapitato ma cammina, è vivo e procede dritto verso il bersaglio dopo anni dove tutto andava storto turbato dagli scopi, messo in croce la faccia contro il muro del peccato.
O QUE NÃO MEREÇO
Dentro de nós estão os postes de luzes e as placas que o frio polar abateu estendes tua mão de gancho e a agarro mal me erguendo na ponta dos pés. Mais para o alto encontro a areia e a alegre fila dos rastros das aves: a escritura insone, vibrante no rubro das rosas nas veias que estouram na testa nos sinais do abandono, dos espinhos e por baixo os cabos gélidos porque uso o mal como um picão, um bate-estacas vou fundo na carne (na minha, na nossa) arrancando fígado, pulmões, coração. O que resta dos olhos.
QUELLO CHE NON MERITO
Dentro di noi ci sono i pali delle luci e i segnali abbattuti dal freddo polare mi tendi la mano a uncino e io l’afferro mi sollevo appena sulla punta dei piedi. Più in alto trovo la sabbia e l’allegra fila delle orme degli uccelli: la scrittura insonne, vibrante nel rosso delle rose nelle vene che scoppiano sulla fronte nei segni dell’abbandono, delle spine e sotto i cavi ghiacci perché uso il male come un piccone, un martello pneumatico vado a fondo nella carne (la mia, la nostra) porto via il fegato, i polmoni, il cuore. Quello che resta degli occhi.
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